sábado, 17 de março de 2012

A Escuta Psicopedagógica Aos Professores Na Escola.

RESUMO: Evidencia-se na literatura sobre psicopedagogia pouca reflexão acerca da escuta psicopedagógica aos professores na escola. Entretanto, a escuta é um elemento relevante e vem ocupando constantemente seu espaço nas mais variadas áreas, como: na psicanálise, na psicologia, bem como na própria psicopedagogia. Neste contexto, o principal objetivo deste artigo foi analisar a forma como o profissional formado em psicopedagogia exerce sua escuta aos professores na instituição escolar. Assim, optou-se pela realização de pesquisa de campo, utilizando-se a técnica de entrevistas para levantamento de dados, numa abordagem qualitativa. Contudo, a falta de referencial teórico dificulta o desenvolvimento da escuta clínica por parte dos psicopedagogos. Em virtude disso, o presente estudo pretende contribuir para a literatura sobre o assunto, apresentando possíveis estratégias para aprimorar/desenvolver a escuta psicopedagógica.

Palavras-chave: Escuta; Psicopedagógicas; Professores; Instituição.

1 INTRODUÇÃO

O olhar e a escuta são elementos complementares no processo de análise de fenômenos sociais, pois, o ver e o escutar contribuem nesse processo. Para Weffort (1997), não ouvimos
realmente o que os outros falam, e sim o que se quer ouvir. Neste sentido, o ver e o ouvir demandam implicações e entregas ao outro.

A situação analítica desenvolvida por Freud (1976) para o seu método psicanalítico, “surge e se desenvolve na escuta e para a escuta singular à qual se propõe” (FALCÃO; MACEDO, 2004, p. 2). Assim, como recurso proveniente da técnica psicanalítica e que aos poucos vem conquistando espaço em diferentes profissões, a escuta clínica apresenta-se e destaca-se como ponto relevante intersubjetivo, característico do encontro analítico. Segundo Cecim (1997, p. 31), essa escuta difere-se da audição. Porque, enquanto a audição permite à apreensão/compreensão de vozes e sons audíveis, a escuta clínica refere-se à apreensão/compreensão de expectativas e sentidos, audição das expressões e gestos, posturas e condutas durante a escuta. E, esta, não se limita exclusivamente ao campo da fala, “[mais do que isso] busca permitir os membros interpessoais que constituem nossa subjetividade para cartografar o movimento das forças de vida que engendram nossa singularidade” (CECCIM, 1997, p. 31).

A escuta também é um elemento que pode contribuir acerca da atuação do psicólogo no ambiente escolar, esta pode ser utilizada como mecanismo capaz de apreender os fenômenos que se efetivam no interior das escolas. Entretanto, a escuta está atrelada ao olhar que precisam ser clínicos, conforme salienta Adronio apud Barbier (1985, p. 45), afirmando que o procedimento clínico e sua teoria devem constantemente conquistar o lugar que lhe foi até então recusado, o que se caracteriza como importante ao procedimento clínico é o respeito, ou melhor, a *Marcos Vinícius Castro Souza, Licenciado em Pedagogia com Habilitação em Magistério e Gestão Educacional pela FAENE – Faculdade Adventista de Educação do Nordeste; Pós-graduado em Psicopedagogia institucional, clínica e hospitalar pela Fundação Visconde de Cairu. Tutor do Curso de Pedagogia EaD na UNIFACS (pólo de Santo Amaro); Coordenador Pedagógico do NEI – Núcleo de Educação Inclusiva; Coordenador Pedagógico do CEAJAT. E-mail.: vinicastro2@yahoo.com.br – Autor. sensibilidade ao que é ambíguo, ao duplo sentido e a hipercomplexidade. Com isso, a observação se constitui também como relevante no desenvolvimento de uma escuta clínica.

Partindo da perspectiva de Martins (2003), isso significa que as funções da escuta se apóiam sobre diversificadas visões de mundo, portanto, implicam diferentes paradigmas e, conseqüentemente, em aspectos e maneiras especificas de percepção dos fatores analisados. Para Adronio (1990, p. 40) apud Martins (2003, p. 44), existe nessa escuta, assim como na
interpretação que a acompanha, uma primeira forma de multirreferencialidade e a linguagem do outro, sua indexabilidade que é fundamental aprender e falar, para encontrar os diversos fios de sua pré história e os avatares de seus desejos. Para tanto, na especificidade clínica, o discurso não necessita ser explicito, porque ela joga essencialmente ao nível do subentendido.

A escuta desenvolvida na área pedagógica, ela diferencia-se das demais escutas, trazendo a marca da construção do conhecimento de modo dialogado. Contudo, por se tratar de um campo híbrido entre a pedagogia e a psicologia, a escuta psicopedagógica pode ocorrer sob diferentes aspectos, envolvendo o planejamento, a avaliação e a reflexão sobre a escuta, mas é importante a este profissional possuir ou adquirir uma atitude clínica, onde se possa efetivamente escutar atentamente os professores no espaço escolar e traduzir o subentendido de suas falas (FERNANDEZ, 1991, p. 125). Esta pesquisa propôs estudar de que forma a escuta psicopedagógica vem contribuindo no interior da instituição escolar.

2 A ESCUTA CLÍNICA NA PSICOPEDAGOGIA
A atuação do psicopedagogo, em instituições escolares, requer postura/atitude clínica frente às diversas produções sejam elas explícitas ou implícitas dos indivíduos a quem se propõe
intervenção psicopedagógica. Nesta perspectiva, a escuta psicopedagógica clínica insere-se como mecanismo de verificar e tratar os diferentes fenômenos que se apresentam no cotidiano do trabalho docente nas escolas.

Para se apropriar da utilização da escuta clínica na psicopedagogia, é relevante antes, caracterizar o olhar clínico como aquele que toma em consideração um campo – de pesquisa ou de intervenção – estruturado por um jogo de relações e de intervenções dinâmicas e complexas. No entanto, ele também supõe que o prático e o pesquisador estejam convenientemente deslocados da relação, isto é, que eles assumam uma postura de implicação-distanciamento. Tal postura, por sua vez, possibilitar-lhes-á estar efetivamente co-presente na situação que eles analisam, sem perder, para tanto, suas especificidades e suas competências (MARTINS, 2003, p. 43).

Isto remete que a atitude clínica necessária ao psicopedagogo ante sua possibilidade de intervenção, implica a busca por novos sentidos para sua relação com o objeto pesquisado. A observação torna-se, assim, importante. Pois, o olhar clínico se estabelece fundamentalmente na observação. Contudo, a escuta se impõe como fator imprescindível no que se refere ao temporal, “aquilo não-dito” (MARTINS, 2003, p. 44). Portanto, para Martins (2003), isto significa que as diferentes funções do olhar e da escuta clínicas, que se apóiam em perspectivas diferentes e, consequentemente, em metodologias também específicas, precisam ser articuladas no intuito de se estabelecer pontos de referência nos aspectos temporal e espacial.

O psicopedagogo, enquanto terapeuta é um sujeito que “legaliza a palavra do paciente, [...] alguém que com sua escuta outorga valor e sentido à palavra de quem fala, permitindo-lheorganizar-se (começar a entender-se), precisamente a partir de ser ouvido” (FERNANDEZ, 1991, p. 126). Com isso, a escuta psicopedagógica torna-se fator preponderante no atendimento a heterogeneidade de/dos professores na escola, possibilitando-lhes, vez e voz para expressarem-se oralmente e/ou através de mensagens subliminares.

O psicopedagogo terapeutizando, precisa posicionar-se em um lugar capaz de proporcionar-lhe a análise eficaz, de modo a permitir “ao paciente organizar-se e dar sentido ao discurso a partir de um outro que escuta e não desqualifica, nem qualifica”. “Somente a partir das fraturas do discurso, por um lado, e de nos aproximarmos, por outro lado, por encontrar o
dramático, resgataremos o interessante, o original dessa história (FERNANDEZ, 1991, p. 126).

2.1 A postura analítica e a atitude clínica na psicopedagogia

O psicopedagogo deve “escutar e traduzir” (FERNANDEZ, 1991, p. 127) de modo transcendente o que lhe é apresentado, buscando a atitude clínica necessária no trato dos dados obtidos através de sua escuta e análise. Pois, “são as palavras, ou sua ausência, associados com a cena penosa, as que dão ao sujeito os elementos que impressionarão sua imaginação” (MANNONI apud FERNANDEZ, 1991, p. 127). Assim, a função da escuta psicopedagógica não é fazer o paciente confessar o tido como importante, mas sim, garantir ao indivíduo a possibilidade de que fale do que realmente carece de importância.

Para Fernandez (1991, p. 128), o lugar analítico, tão importante para o desenvolvimento da escuta clínica, é “lugar de testemunha e atitude clínica, da atitude do que escuta e traduz promovendo um discurso mítico e não real. Lugar e atitudes necessários a todo terapeuta, que o psicopedagogo deverá assumir”. Neste sentido, a referida autora apresenta sua proposta ou guia para o psicopedagogo conseguir uma escuta psicopedagógica: (FERNANDEZ, 1991, p. 131)

1. Escutar–olhar – o primeiro momento da intervenção psicopedagógica supõe escutar-olhar o outro e mais nada. De acordo com Fernandez (1991, p. 131), “escutar não é sinônimo de ficar em silêncio, como olhar não é de ter os olhos abertos”;
2. Deter-se nas fraturas do discurso – estar atento aos aspectos trazidos através do discurso verbal, assim como ao corporal, ao agir subjetivo do sujeito;
3. Observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura – registrar as fraturas, as formas diferentes de expressar-se;
4. Descobrir o esquema de ação – significação – “para encontrar o esquema de ação, não é necessário deter-se no conteúdo do mesmo, mas no processo e nos mecanismos” (FERNANDEZ, 1991, p. 132);
5. Buscar a repetição dos esquemas de ação – buscar detectar em que outras situações e com que outros contextos e conteúdos repete-se este esquema;
6. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo – levantar as concepções e idéias inconscientes sobre a aprendizagem, estabelecendo relações com a “operação particular que constitui o sintoma” (FERNANDEZ, 1991, P. 133).

O momento da intervenção psicopedagógica é único tanto para o paciente, quanto para o terapeuta, e requer o estabelecimento de uma relação harmônica entre ambos, onde o escutar esteja presente cotidianamente neste processo. Para isso, Fernandez (1991, p. 131) esclarece que “escutar não é sinônimo de ficar em silencio, como olhar não é de ter os olhos abertos. Escutar, receber, aceitar, abrir-se, permitir, impregnar-se”. Todavia, o terapeuta deve aprimorar a sua escuta para além do que o paciente expõe oralmente, permitindo-lhe “falar e ser reconhecido, e ao terapeuta compreender a mensagem” (p. 131) para poder intervir da melhor maneira possível.

No entanto, para Martins (2003) é imperioso que ambos estejam convenientemente deslocados na relação estabelecida, isto é, que eles assumam uma visão/postura de implicaçãodistanciamento. Esta postura possibilitar-lhes-á efetivamente estarem co-presentes na situação que analisam, sem para isso, perder suas especificidades e suas capacidades.

Ou seja, uma postura/atitude clínica que se estruture numa escuta, que aqui deve ser compreendido como um mecanismo de acompanhamento acerca da realidade, registrando-se o vivenciado, o experimentado. É preciso criar espaços onde as vivências institucionais possam ser afirmadas e verdadeiramente escutadas.

Esta perspectiva, no plano das práticas do psicopedagogo, poderá fomentar o reconhecimento e a apropriação “de elementos até então desconsiderados na abordagem dos processos educativos, possibilitando uma reapropriação da experiência e de outros sentidos, a eles atribuídos, pela abertura ao desconhecido, pela disponibilidade para a alteração (e por conseqüência da heterogeneidade), para a escuta do inefável (MARTINS, 2003, p. 44).

3 MÉTODO

Para realização deste estudo, pesquisou-se uma psicopedagoga e quatro professoras de uma escola pública, localizada na zona urbana da cidade de Santo Amaro, Recôncavo do Estado
da Bahia, sendo utilizado como critério de inclusão todos os funcionários que atuam numa mesma instituição escolar.
Em relação à pesquisa de campo, foi utilizado como instrumento para coleta de dados a realização de entrevistas. Os dados obtidos foram analisados partindo-se da perspectiva da abordagem qualitativa.

De um modo geral, as entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas, assemelhando-se muito a uma conversa. Tipicamente, o investigador está interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 168).

Neste contexto, constituíram-se como aspectos a serem englobados na entrevista com a psicopedagoga: 1) A forma como esta compreende e analisa a função de sua escuta; 2) Ao modo como tem escutado os professores desta instituição, se exerce essa escuta cotidianamente, assim como isso ocorre; 3) As possíveis contribuições desta escuta aos professores na intervenção psicopedagógica, a forma como isso se efetiva. As entrevistas com as professoras constavam:

1) A respeito da percepção em relação à atuação da psicopedagoga na escola;

2) Ao modo como percebe e analisa a possível parceria entre ambos, a forma como essa parceria pode contribuir na prática docente no trato das dificuldades de aprendizagem dos alunos;

3) A existência de possíveis oportunidades de ser escutada pela psicopedagoga nesta instituição, a forma como ocorre;

4) Os momentos destinados a reunião onde se possibilita a exposição de problemas, etc.

Partindo-se destes itens, as entrevista foram realizadas. Assim, optou-se por iniciar a coleta de dados através da entrevista com a psicopedagoga, para, posteriormente, realizá-las com as professores que recebem assistência desta profissional. Todavia, visando preservar a identidade dos sujeitos pesquisados, foram utilizados nomes fictícios para os participantes da pesquisa.

4 RESULTADOS

A realização da entrevista com a psicopedagoga englobou fundamentalmente três aspectos básicos em torno da escuta psicopedagógica aos professores na escola. Sobre a forma como esta compreende e analisa a função de sua escuta na instituição, a mesma abordou que reconhece a relevância desta, afirmando que “ao escutar o outro vou percebendo as suas necessidades, o que realmente está sendo vivenciado pela profissional”.

Posteriormente, em torno do segundo aspecto, a respeito do modo como a psicopedagoga tem escutado os professores desta instituição, se exerce essa escuta constantemente, assim como isso se dá na prática. Obteve-se a seguinte resposta:

Através de diálogo procuro escutar com atenção as necessidades dos profissionais que trabalham comigo, buscando entender o ponto de vista de cada um, visto que ao escutá-los trocamos ricas experiências e, assim, explorar dimensões e possíveis caminhos para solucionar as demandas necessárias. E, esses momentos ocorrem durante as reuniões pedagógicas quinzenalmente (MÁRCIA).

Outro aspecto levantado foi a partir das possíveis contribuições desta escuta aos professores na sua intervenção, bem como a forma como isso se efetiva, onde a mesma respondeu que “ao escutar o outro (os professores) podemos perceber suas necessidades e a de seus alunos e, procurar orientá-los da melhor maneira possível”.

A atuação psicopedagógica não pode ser efetivada em momentos inadequados como em reuniões pedagógicas, mas em espaços e momentos específicos, onde a professora seja oportunizado a expressar-se em sua multiplicidade, e a psicopedagoga escutá-lo transcendentemente. Contudo, esta escuta não pode/deve estar contaminada com impressões impregnadas de estereótipos e de fraturas das relações sociais estabelecidas entre ambos. Para tanto, Weffort (1997), salienta que a ação de escutar clinicamente o outro é um processo reflexivo e analítico de sair de si para ver e compreender o outro e a realidade segundo seus próprios pontos de vista, sua subjetividade, singularidade e segundo sua história. Assim, para Weffort (1997), a escuta constitui-se como uma ação altamente movimentada, reflexiva, estudiosa e transcendente.

O lugar da escuta poderá possibilitar ao psicopedagogo “criar situações coletivas, espaços de construção de conhecimentos sobre si mesmo – sobre a escola, sobre as experiências dos envolvidos no processo educacional, etc. – de tal forma que os problemas vividos sejam amplamente discutidos e a busca de soluções para os mesmos, compartilhada” (MARTINS, 2003, p. 44).

Ao psicopedagogo cabe, no exercício de sua escuta, de acordo com as concepções de Fernandez (1991), detectar os lapsos, as diversas dificuldades na expressão do discurso, da forma como os cortes são efetivados, das inconsistências, das repetições, das pausas prolongadas, emerge o inconsciente, etc.

Em momentos posteriores, durante a realização das entrevistas com as quatro professoras, pode-se detectar uma inquietação em torno do acompanhamento psicopedagógico realizado nesta escola. Partindo-se deste pressuposto, o primeiro aspecto levantado foi a respeito de como elas percebem essa profissional e sua atuação na escola. Onde obteve-se considerações como: “Ela trabalha bem, buscando sempre saber nossas necessidades e ajuda no que pode, entretanto, o tempo dela aqui na escola é pouco, o trabalho acaba sendo fragmentado”.

Ademais, abordaram que percebem a relevância dessa profissional atuando num ambiente escolar e que a parceria estabelecida nesta acaba contribuindo na prática docente, pois, segundo as entrevistadas, “o atendimento que ela nos garante ajuda a possibilitar aos alunos uma melhorara comportamental em sala de aula e na aprendizagem”.

Outro aspecto discutido com as professoras foi se elas têm oportunidades de serem escutados pela psicopedagoga nesta instituição, assim como a forma que isso se efetiva, da existência ou não de momentos destinados a reuniões, onde elas pudessem expor seus problemas, etc. Onde elas afirmaram que sim, que ela ouve suas queixas em momentos específicos nas reuniões pedagógicas que se efetivam quinzenalmente. Assim, reafirmam que o tempo destinado para tal fim é pouco. Os discursos das professoras entrevistadas aparentam estar emersos em um receio (medo) em expressar realmente o que pensam a respeito da atuação da psicopedagoga na instituição. E isso é vislumbrado através do subliminar de suas falas, nas inquietações, nos olhares, nas expressões, nas faltas, etc. Com isso, evidencia-se a importância da criação de mecanismos que garantam as professoras serem efetivamente escutadas pela psicopedagoga neste espaço.

4.1 Confrontando a visão da psicopedagoga e das professoras Através do confronto entre as informações obtidas a partir da realização das entrevistas tanto com a psicopedagoga, quanto com as professoras participantes deste estudo, pôde-se detectar fraturas nos discursos destas em relação à atuação da psicopedagoga nesta unidade
escolar e o modo como suas intervenções se efetivam no cotidiano deste espaço.

A escuta, elemento tão relevante ao psicopedagogo, é tido/visto tanto pela psicopedagoga quanto pelas professoras que recebem seu acompanhamento, meramente como um canal auditivo capaz de apreender falas e possibilitar a intervenção partindo-se destas. Contudo, a escuta clínica necessária a este profissional, requer o transcendente, o subentendido do discurso exposto oralmente. Ou seja, “o exercício da escuta clínica, por sua vez, tem como perspectiva desvelar dimensões do cotidiano escolar e das relações que o estruturam até então impensadas, desconhecidas, mas que tangenciam as práticas que aí se estabelecem” (MARTINS, 2003, p. 45).

As professoras não podem/devem ser encaradas como pacientes da psicopedagoga, daí a precisão da adequação da escuta clínica para o atendimento às mesmas. Entretanto, a escassez na fundamentação teórica/prática a respeito da escuta clínica na psicopedagogia revela uma possível falha no processo de formação desta profissional, que muitas vezes, não é preparada para assumir uma postura/atitude clínica ante a demanda.

Na construção da escuta necessária ao psicopedagogo, constata-se, segundo Weffort  (1997, p. 1) alguns movimentos necessários a sua construção:

1 – “movimento de concentração para a escuta do próprio ritmo [...] o que se quer observar, que hipóteses se quer checar, o que se intui que não se vê, não se entende, não se sabe qual o
significado, etc.”;
2 – “o movimento que se dá no registro das observações, seguindo o que cada um se propôs na pauta planejada, onde o desafio está em sair de si para colher os dados da realidade significativa e não idealizada”;
3 – “o movimento de trazer para dentro de si a realidade observada, registrada, para assim poder pensá-la, interpretá-la [...]. Neste movimento podemos nos dar conta do que ainda não sabemos”.

Macedo e Falcão (2009, p. 6) apud Freud (1937) apontam para o importante efeito da escuta clínica no campo analítico: “a análise é um processo terminável enquanto se refere ao uso da capacidade de escuta do analista, mas interminável enquanto se refere à capacidade adquirida pelo paciente de escutar-se. O processo analítico, a partir da escuta do” psicopedagogo, “envolve a instrumentalização da escuta do paciente em relação a si mesmo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para se chegar às últimas palavras deste estudo, retoma-se a questão que o originou: de que forma a escuta psicopedagógica vem contribuindo no interior da instituição escolar? A resposta para tal indagação pode ser obtida sob as seguintes dimensões: Através da pesquisa de campo realizada, percebeu-se que a escuta psicopedagógica não tem acontecido/contribuído nas intervenções efetivadas na instituição escolar fonte da coleta de dados, pois, a psicopedagoga não demonstrou exercer a escuta clínica as professoras neste espaço. Assim, evidenciou-se que as entrevistadas não demonstraram apropriação a respeito do real significado da escuta para a psicopedagogia. Segundo Weffort (1997), os indivíduos não foram educados para a escuta, nem para seu real significado. Ou seja, a escuta acaba estereotipada exclusivamente para a função auditiva.

Cabe registrar a escassez de material sobre a escuta na psicopedagogia, fator que pode ser preponderante quanto a sua não utilização por parte da profissional pesquisada. Assim, visualizase ainda, a falta de recomendações e orientações técnicas em relação à apropriação e utilização da escuta transcendente ao que é falado e apreendido auditivamente, capaz de captar lapsos, falhas, repetições, sintomas, queixas, o subjetivo, etc. aspectos que lhe permita interpretação e intervenção adequadas.

Para Macedo e Falcão (2009), a formação do terapeuta precisa estar atrelada ao “famoso tripé – formação teórica, atividade de supervisionar-se e análise pessoal – constitui os recursos na qualificação do processo de escutar o outro. Com isso, detecta-se que os psicopedagogos precisam estar abertos para efetivamente escutar os professores e suas queixas na escola, não auditivamente, mas de modo transcendente, buscando então, “a sintonia com o ritmo do outro, do grupo, adequando em harmonia” (WEFFORT, 1997, p. 1) para favorecer o trabalho deste no contexto escolar. Portanto, fica evidente a relevância de os cursos de formação em psicopedagogia se adequarem a essa necessidade de estimular o desenvolvimento da postura/atitude e escuta clínicas para que o profissional possa escutar os professores na escola e
também desenvolver as intervenções convenientes.

O alcance da escuta psicopedagógica está conectada a apropriação de um fazer-se terapeuta. Em virtude disso, ao se propor um estudo em torno da escuta psicopedagógica aos professores na escola, laça-se um olhar, segundo Macedo e Falcão (2009), para a importância dado pelo terapeuta às falas, gestos, movimentos, etc. de seu analisado, isso demonstrou o papel da escuta deste em relação a si próprio, em sua investigação pessoal. Pois, a escuta da psicopedagogia encontra sua vitalidade na capacidade do analista em perceber e reconhecer o valor e a necessidade de ser ele próprio escutado, gerando em si uma capacidade que está fora do domínio da rigidez ou da padronização, e que por isso abre espaço à escuta do outro.

REFERÊNCIAS
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa qualitativa e quantitativa. São Paulo: Artmed, 2004.
BARBIER. René. (1985). A pesquisa-açãona instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
CECCIM, Ricardo Burg. (1997). Criança hospitalizada: a atenção integral como uma escuta à vida. In: CECCIM, R. Burg; CARVALHO, Paulo R. A. (orgs.). criança hospitalizada: atenção
integral como escuta à vida. Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 27-41.
FERNANDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Trad. Iara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
FONTES, Rejane de S. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Rev. Brasileira de Educação: p. 119-138. 2004. FREUD, S. (1940 [1938]). Espaço de psicanálise. In: __. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Vol. XXIII.
WEFFORT, Madalena Freire ET. Al. Educando o olhar da observação: aprendizagem do olhar. In: WEFFORT, M. Freire ET. Al. Observação, registro, reflexão. São Paulo: Espaço
Pedagógico, 1997, p. 10-36.
MACEDO, Mônica M. Kother; FALCÃO, Carolina N. de Barros. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta.

MARTINS, João Batista. A atuação do psicólogo escolar: multirreferencialidade, implicação e escuta clínica. Rev. Psicologia em Estudo: Maringá. V.8, n. 2, p. 39-45, 2003.

Nenhum comentário: